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terça-feira, junho 19

Três livros para ler antes de morrer




Quem não tem jardim zoológico pode ir ao sítio do vizinho do seu amigo. Ver os pavões, as araras, o cavalo velho de olhar sonso, o faisão de crista amarela, aquele tanto de galinhas tagarelas, os patos, o porquinho rosa, a tartaruga solitária em sua banheira azul da cor do céu. De noite, é maravilhoso ficar quietinho, parado, olhando para o céu! Além do inexplicável encanto das estrelas, brota na gente um sentimento de que a natureza discursa sobre as grandezas e pequenezas da vida. Grande é o céu e o que há de ser o homem?
 
Quem mora sozinho em uma ilha pode ligar sua TV via satélite e assistir novelas, seriados, filmes e jornais que quase sempre falam sobre quão idiota pode ser o homem e como a gente geralmente não fala daquilo que realmente importa: a angústia da alma. O homem logo descobre que não se parece com nada observável nos céus ou na terra; estrelas e tartarugas não servem para curar a tristeza crônica da gente. Então escrevemos livros, gritamos no meio da ilha, cobrimos nossa vergonha com as folhas das figueiras da nossa própria autonomia. Dançamos loucos na areia da praia, rolamos nas dunas, batemos na pele do tambor, inventamos um remédio, mas o tédio continua nos afligindo, pois a nossa criação não serve para solucionar nada, apenas para expor a verdade: vivemos numa praia de nudismo e não tem ninguém em forma. 
 
Quem anda entre animais e pessoas, não perde por esperar. Quando a vida se arrasta movida por um vento franco, soprado pelo lengalenga da TV, entre o mistério do planeta e  pessoas esquisitas entrando na sua ilha, eis que surge o milagre! O sol redobra o calor, os céus estão sem nuvem, a poeira sobe em espiral numa velocidade assustadora formando um redemoinho, falando com a gente. Engraçado, a voz de dentro do redemoinho pergunta: “Ei, onde você estava?”. Finalmente! Ele nos encontrou.
 
Querido leitor, você não deveria morrer agora.  Morrer antes de ler esses três livros que acabei de resenhar nos parágrafos acima seria uma grande tragédia. O primeiro se chama “A Natureza” e pode ser encontrado inclusive nas piores livrarias da sua cidade. Cuidado: não fique procurando apenas nas folhas, árvores, riachos e animais, seus próprios olhos fazem parte de algo muito complexo chamado corpo humano, capítulo importante nessa aventura selvagem.
 
O segundo título foi editado no decorrer dos séculos com o seguinte letreiro estampado na capa: “A Cultura’. As benditas livrarias buscam exclusividade do material, mas esse precioso livro não cabe nas prateleiras convencionais. Um detalhe sobre ele: nunca fica pronto. “A Cultura” é uma grande história sem fim. Até quem nunca aprendeu as letras participa com belíssimas histórias, algumas delas bastante conhecidas. Esse monumental registro da nossa capacidade criativa só não é mais exuberante que o terceiro livro.
 
“A Revelação” é o Criador tomando forma. É, ao mesmo tempo, a mais aguardada das publicações como também a inesperada obra que ao invés de ser lida, nos lê.  Ninguém poderia imaginar que “A Revelação” seria também o primeiro livro transformado em palavra escrita (muitos o chamam de Bíblia). Por causa dele “A Cultura” veio a existir e “A Natureza” foi reconhecida pelo que ela é: uma irmã do homem, não uma mãe doidona que fica assombrando o cara da ilha. Um final antes do final surge revirando tudo de novo, uma última epifania, a mais suprema.  
 
Sei que você já está aflito para começar a leitura dos três. Bem, eu espero que você leia até a derradeira página – se tiver tempo, é claro. Antes de pegar no sono. Antes da novela torná-lo um legítimo e entediado bobo da corte. Antes de morrer. Antes do Final.